O tempo que avan\u00e7a sem piedade, e por vezes com alegria para todos n\u00f3s, me deixa a alegria dos tempos antigos.\u00a0 Me lembro de ainda jovem, muito jovem, antes de ser a bisav\u00f3 que sou, tinha com toda felicidade as minhas filhas, mas n\u00e3o tinha o que a vida sempre nos planeja em abund\u00e2ncia: Amor. N\u00e3o tinha amor, tinha uma fam\u00edlia \u00f3tima, mas somente Deus sabia o que ia dentro do cora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Hoje vejo minhas filhas, netas, amigas das netas e outras, dizendo com for\u00e7a interna para todos que, \u201cN\u00e3o aguenta mais!\u201d, e se v\u00e3o! Muitas se consomem em nome da fam\u00edlia perfeita, em nome da fam\u00edlia que as cercam, em nome dos amigos que foram constru\u00eddos, anos, d\u00e9cadas, tempos e tempos de sofreguid\u00e3o interna, dentro de um sil\u00eancio absurdo, mas que tem estampado na cara um sorriso t\u00e3o bonito que de t\u00e3o alvo parece a folha que rabisco. Hoje, quando olho, ou\u00e7o e, ainda tenho for\u00e7as para escrever, observo de verdade que n\u00f3s mulheres mudamos, em uns aspectos para pior, mas outros tantos para o infinitamente melhor.\u00a0 Muito foi feito, muito sofremos, muito foi conquistado por todas n\u00f3s. N\u00e3o foram as amigas do passado, algumas falecidas, outras vi\u00favas e tantas solit\u00e1rias. Estas, muitas vezes, cercadas de pessoas, mas solit\u00e1rias, ao ponto de quando n\u00f3s conseguimos conversar, nas tardes de caf\u00e9 com conhaque, vejo de verdade a alegria em ficar em paz, por algumas horas, mas ficar em paz para conversar, ser ouvida, ser entendida…<\/p>\n

Mas eu, l\u00e1 atr\u00e1s, tinha minha fam\u00edlia, minhas filhas, mas a cota de amor para a minha vida n\u00e3o existia.<\/p>\n

Lutei, fugi, abandonei, me arrependi, chorei, me alegrei, me reconstrui, renasci, mais ou menos a 50 anos atr\u00e1s… fiz um pouco de tudo, verdadeiramente, em nome do amor.<\/p>\n

Mas valeu tanto amar que confesso agora \u00e0 voc\u00eas, minhas meninas: amem com equil\u00edbrio, mas que seja intenso, que a alegria tome conta das suas vidas, seja por algu\u00e9m, por um trabalho que tenha um sentido, por sua vida, pela sua liberdade, por um legado, pela caridade, pelo outro, pela F\u00e9… que a dor bater\u00e1 a porta, sim, mas que o amor ocupe um espa\u00e7o central e que seja sempre maior que qualquer sofrimento. Que tudo se transforme em aprendizado, que tenhamos a certeza de que tudo passar\u00e1, que sejamos confiantes no que temos de for\u00e7a e vida dentro de n\u00f3s.<\/p>\n

Hoje vejo com imensa alegria, as mais novas, minhas bisnetas, em um mundo novo, em uma seara que ainda ter\u00e3o que lutar tanto, mas que me alivia em saber que lutar\u00e3o menos que minhas netas, menos ainda que minhas filhas e menos ainda que eu.\u00a0 Hoje quando olho tudo que foi constru\u00eddo por um ato ou loucura, em nome do amor que me faltava, vejo que sim, valeu a pena.<\/p>\n

Certamente hoje, eu faria de modo a n\u00e3o machucar tantas pessoas quanto as machuquei, mas faria novamente! O tempo traz a cura e Deus sempre nos diz que tudo passar\u00e1!<\/p>\n

Nos tornamos mais forte, mesmo ficando mais velhas, com as alegrias incomensur\u00e1veis da vida. No meu caso, a fam\u00edlia! Meus filhos, netos, bisnetos…<\/p>\n

Toda vez que uma ficava gr\u00e1vida, eu ficava mais forte, mesmo ficando mais velha… e assim foi, at\u00e9 hoje.<\/p>\n

Ver minha bisneta engravidar e ter uma filha e manter a \u201cfor\u00e7a feminina\u201d em voga, j\u00e1 sequer anseio, pois nem sei qual \u00e9 o seu ponto de satisfa\u00e7\u00e3o e, sinceramente, n\u00e3o me interessa!\u00a0 Ao v\u00ea-la sorrindo e pensando no seu trabalho, estudo, pol\u00edtica, viagens e onde ela, como mulher, deva estar, \u00e9 o que me basta. \u00c0 Deus, nada mais pe\u00e7o! J\u00e1 o fiz demais nestes anos todos. H\u00e1 tempos somente agrade\u00e7o a cada manh\u00e3 de lucidez. E quando me for, estarei com cada um deles, pois plantei amor dentro de cada um. Eis o que fica para os que ficam, e comigo, quando me for, vou com sorriso na alma por saber que, apesar dos pesares, todos est\u00e3o bem e, se por algum instante algu\u00e9m ficar p\u00e9ssimo, tamb\u00e9m sei que isso tamb\u00e9m passar\u00e1!<\/p>\n

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Severina Melo<\/p>\n

Nascida em 1932, em Pernambuco, a bisav\u00f3 de 85 anos n\u00e3o \u00e9 escritora, pol\u00edtica ou poetisa. Ela \u00e9 somente Severina!<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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